quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Prólogo do Livro de Alex Amaral com Título a Definir

O crepúsculo se aproximava quando Lyner se levantou e se dirigiu para a janela. O céu estava rubro como fogo e os primeiros lampejos da lua podiam ser vistos no oriente. Dirigiu-se para a escrivaninha a fim de dar uma última conferida na carta que recebera um mês atrás: " Isto deve ser feito antes do fim do verão. Confio em você." O ar gélido da brisa noturna invadiu o cômodo, estatelando contra os móveis e o fazendo arrepiar-se.

Lyner era apenas um jovem de 22 anos quando aportou em Arcadia. A cidadela atraía muitos fidalgos e sempre vivia cheia. O comércio não podia ser praticado na cidade sagrada, o centro da religião de Pytos, e muitos vinham em peregrinação para rezar aos pés do Altar.

Lyner tinha vindo para se tornar sacerdote à serviço dos deuses e sua ascensão ao posto de cardeal foi tão rápida que aos seus quarenta anos era membro do Conselho de Arcadia, um dos sete escolhidos pelo Grande Sacerdote, líder religioso da cidade. Ele tinha alcançado seu objetivo. Seu mestre aguardava agora a cartada final para desencadear a rebelião, e ele estava a um passo. Não podia vacilar. Seu mestre tinha confiado nele, e agora tinha que retribuir a confiança.

Lyner se dirigiu ao banheiro, limpou o rosto e olhou seu reflexo. Os cabelos brancos já substituíam os loiros, as rugas iam aparecendo e sentiu seu corpo tremer. Mas não podia voltar atrás. O quebra-cabeça estava quase completo e Lyner tinha a peça que faltava. Tinha que fazê-lo, e tinha que ser agora. Pegou sua túnica negra e vestiu, colocou a adaga escondida por baixo da túnica e abriu a porta que dava para o corredor. Andava a passos largos quando foi interrompido por um estridente barulho de vidro quebrando. Seu coração disparou e por um momento achou que estivesse sendo observado, porém viu somente um gato preto saindo das sombras e os cacos do vaso estilhaçado no chão.

Continuou a andar furtivamente quando avistou quatro guardas vindo em sua direção. Se escondeu atrás de uma pilastra e os esperou passar. Voltou a caminhar segundos depois deles passarem e marchou em passos lentos pelo corredor. Seu objetivo encontrava-se na outra torre e não queria ser visto, pois significaria ter que manchar suas mãos antes da hora. Quando chegou, o pátio estava vazio e iluminado pelo clarão da lua cheia que o observava. Deu uma rápida olhada pra ver se alguém se aproximava e se arriscou a atravessar, parando para se esconder na sombra da estátua que se situava no meio do pátio.

Quando finalmente conseguiu chegar ao outro lado, ouviu uma voz rouca:

- Sua benção cardeal.

Lyner congelou. Devia manter a frieza, mas o vento frio batia-lhe no rosto, provocando súbitos arrepios. Virou para ver quem o chamava e viu uma figura pálida fitando-o com seus olhos negros como um breu. James, um jovem padre, também membro do Conselho, vestia uma túnica preta com adornos dourados. Era alto e o olhava com desconfiança.

Lyner não confiava nele. Sempre muito astuto, conseguira seu lugar no Conselho por seus serviços diplomáticos com os bárbaros do leste, que ameaçaram invadir o Reino e implodir uma rebelião. O jovem padre passou dois anos com os bárbaros e conseguiu fazê-los desistir da idéia e de sobra os converteu aos deuses e os ensinou a arte da escrita e da comunicação. A lábia de James era realmente impecável, mas Lyner não estava disposto a cair nela. Respondeu com serenidade:

- Que os deuses o agraciem.

- Me tento a perguntar o que faz aqui no pátio a essa hora Cardeal. Não acha que está um pouco frio aqui fora? - James o olhou desconfiado.

- Também tenho essa pergunta na cabeça, caro James. - não podia demorar mais tempo ali. A lua já subia um quarto de seu percurso. Tinha que arranjar um jeito de dispensar James de alguma maneira, e tinha que ser rápido. - Estou com um pouco de pressa. Caso não se importe sacerdote, tenho que ir rezar aos deuses no Santuário de Yoshi pelo bem da paz do Reino.

- Não vejo necessidade, Cardeal. O Reino não sofre de nenhum ameaça e a paz reina há mais de cinqüenta anos. A única vez que estivemos na iminência de uma guerra, cuidei para que nada ocorresse. Creio que não se esqueceu deste pequeno detalhe Vossa Eminência.

- Logicamente que nunca me esquecerei dos serviços prestados pelo senhor. Mas rezo todas as noites pela paz. Nunca se sabe quando algo pode nos surpreender. - e você não faz a mínima idéia, assim espero, pensou.

Entretanto, aquela conversa estava se estendendo por demasiado, e Lyner não tinha mais tempo.

- Com licença, mas preciso ir. Estou ficando velho e meu corpo não agüenta tanto frio.

- Perdão senhor Lyner, não quis atrapalha-lo. Saí um pouco para tomar ar fresco quando vi um punhado de guardas se dirigindo para a Torre Sagrada. Resolvi ir ver o que havia acontecido e quando cheguei lá me espantei com a cena. Foi realmente cruel. Vou ir chamar a Guarda Sacra. Aconselho-o a manter-se longe da Torre Sagrada.

- O que exatamente o senhor viu, James? - um calafrio percorreu a espinha de Lyner. Terá alguém sido mais rápido que eu?

- É uma cena realmente difícil de descrever. Sugiro que vá pessoalmente à Torre, Cardeal.

Lyner estava inquieto. Mexeu-se rapidamente em direção à Torre Sagrada, onde residia o Grande Sacerdote. Quem poderia ter pensado em invadir os aposentos do Rei de Arcadia?
A Torre Sagrada era uma fortaleza reduzida, não tão grande como um castelo, mas suficiente para abrigar cinqüenta pessoas. Era guardada noite e dia e todo aquele que entrasse devia ter uma permissão do Rei de Arcadia. Todos passavam por uma rigorosa revista, pois não era permitido a entrada de armas na Torre. Era também o aposento de Mestre Arford, Sacerdote de Yoshi, Rei de Arcadia, Grande Sacerdote Regente de Pytos, o homem mais influente de todo Reino. Mestre Arford era velho e com a idade veio a sabedoria. Sabia diversas poções e magias, e também diversas línguas como o Idioma Comum, falado em todo Reino, o kyriano, falado além do Mar de Tosh e diversas outras coisas. A inteligência do Grande Sacerdote também era louvável e nenhum homem se comparava à sua grande mente pensante. Mas a maior virtude de Mestre Arford não era sua sabedoria, nem o conhecimento das magias ou poções, mas a sua bondade e justiça. Era venerado em todo lugar que ia e não havia uma única pessoa que não se encantasse ao vê-lo.

Lyner não queria que isso acabasse assim. Desejou, nos anos que cresceu em Arcadia, que esse dia nunca chegasse. Mas chegou, e Lyner tinha feito um juramento de sangue. Conhecia pouco Mestre Arford e agradeceu aos deuses por isso, pois temia que tivesse algum tipo de vínculo com ele e isso o fizesse fraquejar. E nessa hora sabia que tinha que ser forte.

Chegando à porta da Torre, viu que os homens que vigiavam a entrada estavam caídos. A escuridão da noite atrapalhava a visão, mas sentia o cheiro de sangue. O que quer que tivesse acontecido não importava mais. Tinha que se apressar e verificar a situação. Terá alguém sido mais rápido que eu? Lyner sentiu o coração palpitar cada vez mais forte contra seu peito. Quando colocou a mão na maçaneta sentiu seu suor escorrer pelo rosto. Abriu cuidadosamente a porta e adentrou o grande saguão. Estava completamente apagado e não se podia ver nada. Andou a passos lentos até a escadaria que se encontrava logo em frente e subiu. Cada degrau aumentava a tensão do momento. O quarto de Mestre Arford encontrava-se no segundo piso à direita, próximo ao Santuário de Yoshi. Ao chegar ao topo, Lyner ouviu um barulho de lâminas em choque. Se apressou até o quarto do Grande Sacerdote e viu uma figura coberta por um manto negro. Não tinha cabelo e sua barba escorria até a altura do peito. Lyner conhecia aquela pessoa e não acreditava que aquilo pudesse estar acontecendo. Um corpo recém morto jazia no sopé da cama. Vestia uma placa de aço e um manto branco-carmim da guarda de Arcadia. Os olhos vermelhos do velho o encararam por um instante até que ele avançou, segurando a adaga coberta de sangue e ameaçando um golpe. Lyner desviou. Quando a luz da lua refletiu na esbranquiçada face do homem, percebeu que era a pessoa que imaginava.

- Mestre Arford!

O medo o cobriu e sentiu seu corpo estremecer mais intensamente do que antes. Retirou a adaga de baixo do manto e a ergueu em direção ao Rei de Arcadia. O que será que aconteceu com ele? pensou Lyner. Não entendia porque Mestre Arford havia matado aquele homem e começava a desconfiar que também tinha matado o resto da guarda. Como um homem tão velho poderia ter derrotado vários soldados armados de lanças e espadas? Mas aqueles olhos vermelhos não eram dele.

Mestre Arford avançou novamente e os dois se enroscaram e rolaram pelo chão. A adaga o havia pego de raspão, mas via que a pele do braço do velho tinha se desprendido, revelando a carne e o osso empapados de sangue. Lyner se aproximou do soldado morto e pegou sua espada. Independente do que tivesse acontecido ao velho, tinha que cumprir sua missão. Não podia falhar, seu mestre confiara nele por dezoito anos. Avançou e golpeou o Grande Sacerdote e as espadas tilintaram ao som do aço. O Rei de Arcadia mantinha-se firme e tinha uma força descomunal, mas o sacerdote lançava-lhe golpes duros. Por um momento o velho fraquejou e começou a se contorcer. Essa é a minha chance. Sem pensar duas vezes, Lyner cravou a espada bem no coração. Os olhos vermelhos deram lugar aos verdes e Mestre Arford balbuciou.

- Lyner, o reino corre um grande perigo. Ele se infiltrou no Conselho de Arcadia e não duvido que também tenha se infiltrado na corte do Rei. Tenha muito cuid...

Lyner deu outro golpe com a espada, este agora bem na testa. Tarde demais Mestre Arford. Sua missão havia se completado. Matara o Rei de Arcadia e agora seu mestre podia completar seu plano. Era uma pena que não poderia ver o triunfo de seu tutor. Sua existência não era mais necessária e não podia correr o risco de alguém conseguir arrancar-lhe os planos que ele preparara. Pegou a espada e enterrou-a no peito. Sentiu o sangue escorrer pelas mãos e a vida se esvaindo. Vislumbrou a lua pela última vez. Ninguém foi mais rápido que eu.

Alex Amaral

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