quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A Árvore Falante e o Pássaro Banguela

Era uma vez, numa bela floresta, um pássaro que, como qualquer outro pássaro não possuía dentes. A diferença é que ao invés de se contentar com seu belo bico e nobres penas, o pássaro invejava os mamíferos, principalmente os roedores que andavam por aí exibindo seus dentões. Queria poder mastigar frutas e roer as coisas, queria fazer suas casas de madeira como o Castor, ou mastigar as folhas como a Girafa.

Então, algo o tirou de seus devaneios no conforto de seu ninho. Era um chamado de socorro. O pássaro, desesperado e com vontade de ajudar, seguiu o pedido.

Ele vinha de uma pobre árvore. Mas árvores não falam! Como poderiam? O pássaro sem entender se aproximou da árvore e viu que havia um homem em sua base, um lenhador, dando golpes incessantes na árvore enquanto ela gemia, cada vez mais alto.

“O que ele está fazendo?” Pensava o pobre pássaro. “Não vê que está machucando ela?” “Será que não está ouvindo seus gritos de dor?”

E fora de si deu um vôo rasante sobre o homem, empoleirando-se sobre seu rosto, quis mordê-lo, mas teve que se contentar em desferir bicadas e arranhões. Visivelmente aturdido o homem ainda tentou espantar o pássaro com seu machado, mas sem sucesso, desistiu, e foi embora cuidar de seus ferimentos.

O pássaro, curioso que era, aproximou-se da árvore com o tronco ferido e empoleirou-se em um de seus galhos.

― Muito obrigado, Canário Vermelho, você tem um bom coração.

― Como você sabe o meu nome? E como você fala? Você é só uma árvore! ― Disse o pássaro. A árvore não se ofendeu e retrucou calmamente:

― Sou uma árvore muito velha, tenho mais de mil anos e sou um pouco excêntrica ― confessou ― Na verdade, não só sei falar, adivinhar o seu nome e sentir dor como também poderia te conceder a realização de um desejo, por ter salvado as minhas já tão envelhecidas fibras.

― Ah é? ― Disse o pássaro arregalando os olhos ― Que tipo de desejo você pode me conceder?

― Qualquer tipo ― disse a velha árvore com sua voz envernizada ― Mas só posso lhe conceder um, então escolha com cuidado.

O pássaro não hesitou, ele sabia o que queria, sempre soube, desde que nascera. Disse com esperança saltando de cada palavra:

― Eu, eu quero ter dentes!

― Dentes? ― Estranhou a árvore ― Tem certeza que é isso que você quer?

― Tenho, tenho sim! ― Disse o pássaro eufórico, já pulando sobre suas patinhas. ― Quero ter longos dentes de roedor, tão grandes quanto os dos castores! ― Disse com um brilho cativante no olhar.

― Tudo bem ― disse a árvore ― se é o que deseja! ― e no mesmo momento brotaram enormes dentões no bico do pássaro. Ele foi correndo, eh... quer dizer voando ver seu reflexo no riacho. Se esqueceu até de agradecer à velha árvore!

Enquanto tentava voar, seus enormes dentes pesaram para a frente, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio e caísse no chão, se machucando. Ele levaria um tempo para se acostumar a voar com aqueles dentes tão grandes e pesados, mas iria valer à pena! A sim, com certeza iriam. Resolveu continuar o caminho até o riacho andando. Caminhar para pássaros é perigoso, eles não costumam ser muito rápidos nisso e são presas fáceis no chão.

Por isso o caminho até o espelho d’água foi tão assustador. Ainda mais mancando por não suportar o peso daqueles dentões em tão franzino corpo. Ao finalmente atingir o riacho, ofegante pela caminhada, o pássaro pode finalmente admirar seu reflexo na água. Como estava elegante, pensou.

Lembrou-se então de voltar e agradecer ao velho carvalho, mas ao avistar o caminho sombrio pelo qual havia passado desistiu da ideia. Ora, parece que não conseguirei mais me alojar num ninho nas alturas, vou então construir abrigo como fazem os dentuços, cavar um buraco no chão ou fazer uma casa com lascas de madeira!

Tentou cavar o chão, mas as suas patas mal serviam para ciscar, então procurou um pedaço de pau que pudesse cortar para inaugurar seus dentes novíssimos. Foi difícil encontrar o ângulo de encaixe. E bastante dolorido quando uma farpa se enfiou por suas penas, espetando suas asas.

Finalmente conseguiu cravar os dentes naquela lasca de madeira e então...

Não pode tirá-los! O pobre pássaro ficou ali por horas preso. Até que uma grande ave negra o avistasse. Um condor! Estava circundando-o, apenas esperando por sua morte para devorar sua carne! Mas um Falcão surgiu e espantou o Condor. Era Peregrino, amigo de infância de Canário.

― Canário, meu velho amigo, em que cilada você se meteu! Deixe eu tirá-lo daí! ― E dizendo isso envolveu-o com sua pata e dando um tranco para trás com a ajuda de suas potentes asas removeu o amigo da madeira.

― Ei, você está bem? ― disse, se aproximando enquanto dava um tapinha nas costas de Canário. Recuperando-se do susto, Canário se virou, pronto para sorrir para o velho amigo, mas Peregrino tinha uma expressão de pavor no rosto.

Envolveu Canário com sua pata, dessa vez furiosamente, e disse:

― Quem é você, o que você fez com o meu amigo?

Canário tentou dizer alguma coisa, mas o ar batia em seus dentes e só saíam grunhidos abafados. Sem saber o que fazer, mordeu os pés de Peregrino que, num reflexo o soltou. Antes que Peregrino pudesse avançar novamente, Canário já havia se escondido dentro de um tronco poder, longe da visão de águia do amigo.

“Meus amigos não sabem mais quem sou, acham que eu sou um monstro! Perdi a habilidade de voar e já quase morri duas vezes! De que vale à pena esse sorriso?”

E pôs-se a chorar baixinho. Seu estômago respondeu em um ronco, e sua garganta estava seca. O riacho não estava muito longe e Peregrino já havia ido embora. Canário teve dificuldades de beber água e mais ainda de comer, não sabia como escovar seus novos artefatos e acabou tendo uma dor de dente resultante de uma cárie.

“Ainda por cima doem! O que eu estou fazendo? A quem estou enganando? Eu não nasci para sorrir!” Disse com suas penas. Então, tão magicamente quanto surgiram, os dentes caíram por terra e quanto atingiram a areia, desapareceram, como num passe de mágica.

Ao lado de Canário surgiu uma pequena fada de longo vestido verde e asas de mariposa.

― Canário, o que você aprendeu hoje?

― Mãe Natureza! Que bom que você apareceu! Bom, acho que eu aprendi a não invejar os outros e a ser feliz comigo do jeito que eu sou!

― Mais alguma coisa?

― Sim, escovar os dentes se os tiver!

E os dois riram.

― Muito bem, Canário. Era eu o tempo inteiro, eu era o velho Carvalho e eu só queria te ensinar a ser feliz com o que você tem, agora vá e seja um belo pássaro! Voe, cante e seja feliz! Meu querido Pássaro Banguela!

E dizendo isso desapareceu. Canário ainda sussurrou um agradecimento e pôs-se a voar pelos céus, como nunca antes havia voado!

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