segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pimpinha, a Boneca da Vovó


Minha avó morreu antes mesmo de eu nascer. Não sei como, mas já ouvi muitas histórias. A maioria contada por meus primos mais velhos só para me assustar. Tudo o que ela me deu de presente foi uma boneca. A boneca tinha o corpo de pano, enfeitado por um vestidinho de babado lindo, o rosto pálido de porcelana e o olhar fixo e assustador.

Costumava ser usada apenas como enfeite, mas quando eu fiz oito anos, e depois de muito insistir, minha mãe achou que eu já estava grandinha o suficiente para brincar com ela, desde que tomasse cuidado para não quebrar o rostinho dela e me machucar.

Eu costumava tratar meus brinquedos como vivos, com sentimentos. Especialmente as minhas bonecas. E quando olhava para aquela bonequinha, a sua “pele” pálida e fria como a neve e seu olhar vazio me passavam a impressão de que ela estava muito triste.

            Para mim fazia sentido, a boneca deveria ter no mínimo uns cinquenta anos e, durante esse tempo inteiro ninguém brincou com ela, ninguém a deu carinho, atenção ou amor. Ficava apenas parada numa estante empoeirada, abandonada, como um simples enfeite.

Assustei-me quando minha mãe disse que ela não tinha nome. Como uma boneca pode não ter nome? Senti muita pena dela e resolvi a chamar de um nome alegre, divertido, para que talvez assim ela se sentisse mais feliz e pudesse compensar os anos sem nome naquela prateleira.

Pimpinha. Era o nome perfeito. A pronúncia era quase o som de um sorriso, quase como uma boa piada. Era fofo, engraçadinho, bonitinho e muito alegre.

Levei Pimpinha para o meu quarto, a apresentei às outras bonecas, a fiz tomar chá, à levei no colo para onde fosse. Os dias se passavam e eu sentia que a tristeza de Pimpinha também passava aos poucos.

Um dia a minha amiga Flávia veio fazer um trabalho da escola na minha casa. Depois do trabalho feito, a levei ao meu quarto para brincar e a apresentei aos meus brinquedos, especialmente à Pimpinha, que já havia se tornado minha boneca preferida. Tanto que nem mais brincava com outros brinquedos. Ela era diferente, linda, apesar de ausente.

― Credo, que boneca assustadora! ― disse Flávia ao conhecer a Pimpinha.

― Não fale assim da Pimpinha! ― Briguei com ela.

Ela riu.

― Por quê? O que ela vai fazer, me matar? ― Ela disse, ainda em gargalhadas. Enquanto sacudia a Pimpinha para fazer ela andar como um zumbi.

― Claro que não! Larga ela! ― Eu disse puxando ela de volta para mim.

― Ai, credo! Que mau humor! Eu, hein, até parece que a boneca é viva.

Bom, para mim parecia mesmo. Para mim sempre pareceu. Eu sempre tratei os meus brinquedos como vivos, mas a Pimpinha era diferente, eu sentia uma energia vindo dela, algo em seu olhar. Mas parecia que eu era a única que conseguia ver isso, era a única que conseguia entendê-la.

Ao final do dia, Flávia me pediu desculpas e me pediu a Pimpinha emprestada, disse que tinha gostado da boneca e queria apresentá-la às bonecas dela. Eu concordei. Mas quando Flávia pôs sua mão na Pimpinha para pegá-la alguma coisa arranhou seu dedo.

Uma gota de sangue escorreu. Era a porcelana, que apresentava uma leve ponta.

― Eu acho que a Pimpinha não quer ir com você, ela vai sentir muitas saudades daqui. Ela ainda não está acostumada, foi uma boneca de enfeite por muito tempo.

― Bobagem! Foi só um acidente! Além disso, a Pimpinha tem que sair um pouco, conhecer lugares novos, outras bonecas. ― Ela disse, visivelmente debochando da minha cara e do jeito que eu tratava a Pimpinha como viva. Mas ainda assim, um pouco a desagrado eu aceitei emprestá-la.

No dia seguinte, o telefone tocou. Minha mãe atendeu e disse que era para mim, rindo. Eu me assustei, era só uma criança, nunca tinha recebido um telefonema, me senti importante.

― Lívia, sou eu a Flávia.

― Oi, Flávia, como está a Pimpinha?

― É sobre isso que eu queria falar. ― Ela disse nervosa ― Meus pais saíram e me deixaram sozinha brincando com ela. Mas ela caiu... é... bom... Sabe aquela rachadura que ela tinha na carinha dela, né?

― Sei ― eu disse preocupada. Se alguma coisa acontecesse com a Pimpinha minha mãe ia me matar.

― Então, bom, ela caiu no chão... e... e...

― Ai, fala logo!

― Bom, é que... ela arranhou um pouquinho e aumentou mais a rachadura.

― Flávia, você quebro a minha boneca!

― Não briga comigo ― Ela disse, quase chorando ― A Pimpinha tá me olhando de um jeito estranho, eu estou com medo.

― Flávia, dá pra parar de brincadeira? Minha boneca não é assustadora!

― Ela é sim! ― Lívia gritou ― Só você não vê isso! Enfim, eu preciso que você venha aqui, acalmar ela ou levar para longe de mim, sei lá. Eu to com medo de acontecer alguma coisa!

― Flávia, isso é sério? ― Pela voz trêmula dela, parecia.

― É claro que é, pô! Você sabe que eu não brinco com essas coisas! ― Isso chegava a ser irônico, Flávia sempre brincava com essas coisas.

― Tudo bem, Flávia, quando seus pais voltarem eu vou aí...

― Acorda! ― Ela me interrompeu ― Eu to pedindo sua ajuda agora, meu! Vem logo, pô!

― Flávia, eu não posso. Minha mãe não ia deixar eu ir na sua casa sem seus pais aí, né? Acorda você, pô!

― Ai garota, pelo amor de Deus! ― sua voz estava muito séria ― Eu to pedindo a sua ajuda. Eu to REALMENTE com medo de alguma coisa acontecer. Se vira aí! Fala pra sua mãe que meus pais tão em casa e que eu só quero te devolver a Pimpinha rapidinho, eu abro o portão pra você e te dou logo a boneca, ninguém vai saber de nada.

― Tá bom... ― Eu concordei, não gostava de mentir para a minha mãe, mas a Flávia era minha amiga. Minha amiga medrosa, mas minha amiga. E eu já estava com saudades da Pimpinha.

Flávia morava a apenas uma rua da minha, e como o bairro era pouco movimentado, não foi muito difícil convencer minha mãe a me deixar ir lá.

Toquei a campainha. O portão se abriu sozinho. Não era um desses portões modernos que se abre à distância por um botão. Mas ele abriu sozinho.

“Bobagem, ele já estava aberto e eu não percebi, a Flávia deve ter deixado assim para eu entrar logo” me convenci.

Entrei. Chamei pela Flávia. Nada. Estava começando a me assustar.

“Humm, no mínimo ela ta lá no quarto dela se tremendo toda. Ou senão isso tudo é uma pegadinha e ela só ta tentando me assustar... Não seria a primeira vez.”

Mas ao chegar às escadas vi uma cena assustadora.

Flávia estava jogada nos primeiros degraus, com o pescoço, braços e pernas revirados. Um rastro de sangue vinha desde o andar de cima, mostrando que ela havia rolado por todo o lance de escadas. E seu rosto tinha batido no chão com força, abrindo sua cabeça enquanto pedaços do seu cérebro se precipitavam para a frente.

E no alto das escadas, sentada comportadamente e intocada estava Pimpinha, com a rachadura do seu rosto aumentada, exatamente como havia dito Flávia. A espuma que a preenchia vazava pela rachadura, exatamente como o cérebro de Flávia.

E pela primeira vez, pimpinha não exibia mais um olhar de tristeza. Olhando bem em seus olhos, eu podia jurar que pimpinha estava sorrindo.

Logo os pais de Flávia chegaram em casa e se desesperaram ao ver o que havia acontecido. Um certo tempo depois minha mãe viria me perguntar o que havia acontecido ali, eu tentei explicar para ela que foi a Pimpinha, mas ela nunca acreditou em mim. Tive que ir a psicólogos pela minha vida inteira para tentar tratar o meu medo de bonecas, mas tudo foi em vão. Eu me lembro daquela cena, e eu tenho certeza que foi real.

Eu sei que Pimpinha se vingou. E sei que desse dia em diante eu nunca mais ousei chegar perto de uma boneca. Eu nunca mais fui criança. Eu nunca mais brinquei.

            Porque você pode achar loucura. Mas brinquedos matam! Sim, eles matam.          


Gabriel Valeriolete

domingo, 22 de janeiro de 2012

Fechamento do Desafio dos 7 Dias

Galera, o Desafio terminou com apenas esses 4 contos mesmo: Ratos Alienígenas Atacando a Terra de Luara Cardoso, Ressurreição (Tema: Vulcões de Maionese) de Wigde Arcângelo, A Árvore Falante e o Pássaro Banguela de Gabriel Valeriolete e A Orquestra Zumbi que Hipnotiza as Vítimas Humanas com Suas Músicas de Felipe Florentino.

Os temas que ficaram para o ano que vem são:

A Saga do Par de Chinelos do Saci;
A Tatuagem na Rolha de Bolinhas Amarelas;
A História da Criação do Miojo no Pão;
A Espingarda à Laser que Tinha Chifres;
Unicórnios Rosas, Alados, Comedores de Carne Humana;
Bodes Sapateadores;
Minhoca Engravatada Fura Fila no Bandejão

Nós estamos realmente num momento corrido, e esse Desafio foi só um teste para o ano que vem, e parece que dá certo. Já vou abrir para votação no blog e no Face. Quem quiser votar no blog é só clicar na enquete logo ali na parte superior esquerda.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Ressurreição (Tema: Vulcões de Maionese)

O telefone tocou. Carlos se perguntava quem era o infeliz que o acordava tão cedo assim. Na verdade já passava do meio dia, mas a noite tinha sido boa para ele, fazia tempo que ele não tinha uma folga. Ele atendeu o telefone e a voz na linha disse para que ele ligasse a televisão em qualquer canal. Ligar a televisão em qualquer canal? Ele sabia que tinha acontecido alguma merda.

Uma bela repórter aparecia na tela da televisão anunciando a notícia com aquela música de notícia urgente ao fundo. Um vulcão no Brasil, há muito inativo, dava sinais de que estava voltando à ativa. “Adeus, querida folga”, pensou. Ele é um vulcanologista que trabalha para o governo, junto com outros vulcanologistas, oceanógrafos, geólogos e outros profissionais do tipo. Sabia que teria que investigar esse caso bizarro, mesmo a repórter dizendo que a população não precisava se alarmar, já que era cedo para saber se realmente havia o risco de erupção, era ele que teria que dizer se a população deveria se preocupar ou não.

O que mais o chamava a atenção era o fato de que o vulcão se localizava na província aurífera de Tapájos, no Pará. Ou ele estava ficando doido ou tinha alguma coisa muito errada com o planeta.

Abre parêntese: o vulcão de Tapájos se localiza entre os rios Tapájos e Jamanxim. Ele tem sua idade estimada em quase dois bilhões de anos, sendo considerado um dos maiores e mais antigos dos já conhecidos. Ele se mantem preservado do intemperismo e da erosão. Todos sabem que isso é muito difícil de acontecer. Sabem também que é praticamente impossível um vulcão com essa idade entrar em atividade, já que o ciclo de atividade é de 3 a 4 milhões de anos. Estranho... Fecha parêntese.

Ele coçou o queixo enquanto ouvia o blá blá blá do Charlie do outro lado da linha. O Charlie não tem o poder de síntese. Ele levou mais de trinta minutos para dizer que o vulcanologista deveria estar no local de trabalho o mais rápido possível.

Ele conseguiu chegar em 35 minutos. Entrou no elevador e subiu. Quando chegou no último andar, adentrou em uma grande sala onde se encontrava a secretaria de Crarlie e uma mulher ruiva de costas. Como sempre o Charlie não estava na reunião e mandara a secretária dar as instruções.

― Agente Marina Talisa este é o senhor Carlos Pandolfo ― apesentou a secretaria.

A agente se levantou e virou-se esvoaçando seu cabelos vermelhos.

― Nina ― sussurrou Carlos. Os dois tiveram um caso quando estavam na faculdade, mas o gênio forte dela fizeram com que eles tomassem rumos diferentes e agora eles estavam na mesma sala. Não poderia ser pior.

― O Senhor irá trabalhar com a agente Marina até resolvermos o caso desse vulcão.

― Por que eu trabalharia com uma agente num simples trabalho como esse? ― Disse desconcertado.

Desde quando investigar a atividade de um suposto vulcão inativo há muito tempo era uma atividade fácil? Não importava, ele apenas não queria trabalhar com aquela mulher.

― O vulcão está em uma propriedade privada e os donos não permitem a entrada de estudiosos no local, mas vocês entrarão lá e investigarão se a notícia que se espalhou é verdadeira.
― Que notícia?

― Estão dizendo que a ativação do vulcão não é natural ― disse a agente Nina.

― Mas se eles não permitem a entrada de pesquisadores, como entraremos lá?

― Será dado um jantar para autoridades no local. Parece que o Dono, como ele se auto intitula, quer provar que a sociedade não precisa se preocupar com o que a imprensa diz. Vocês irão disfarçados como um casal da alta sociedade. Enquanto você analisa o vulcão, ela te dará cobertura.

― O quê? Você tá dizendo que nos disfarçaremos como um casal, que nem nos filmes de comédia romântica. Brigaremos o jantar inteiro, até que em algum momento estaremos em perigo e descobriremos que toda a nossa implicância era apenas tensão sexual e eu ainda guardo algo aqui dentro por... Acho que falei demais!

A secretaria anuiu.

― É melhor vocês irem agora, se não chegarão atrasados. Toda as informações que vocês precisam estão dentro dos envelopes.

Quando eles chegaram onde seria o jantar, uma especie de vídeo promocional estava passando, Carlos achou algo estranho naquele vídeo, algo meio familiar, mas ele não sabia dizer o que era.

Não importava eles tinham que aproveitar aquele momento para tentarem fazer alguma coisa. Eles saíram do grande salão de festas e logo viram o vulcão, mas havia guardas por tudo quanto era lado. Nina iria distrair os guardas enquanto ele ia em direção ao vulcão.

Fora construído uma especie de torre ao lado do vulcão que tinha o mesmo tamanho que ele. Carlos decidiu subir pela torre. Ela estava estranhamente vazia e não se ouvia o barulho de nada. Apesar de ser um prédio moderno não havia elevadores, por isso ele foi subindo pelas escadas.

Quando ele chegou ao ultimo andar ele se deparou com um salão enorme e lá estava um homem que disse:

― Quem ousa entrar em minha presença sem a minha permissão?

Carlos reconheceu a voz. Era a voz do Charlie!

― Charlie?

― Ora céus, como é duro ser a minha pessoa! Lógico que eu não sou o Charlie. Nunca mais ouse a me chamar por esse nome. Até mesmo porque você não terá outra chance, hoje será o dia da sua morte e de todas essas pessoas que estão dentro daquela sala.

Uma especie de pedestal levantava aquele ser estranho, que falava coisas sem muito sentido, até o teto que agora se abria .

Quando a Nina chegou na sala dizendo:

― Temos que parar este homem! Ele construiu uma parafernália dentro do vulcão que irá transbordar magma para tudo quanto é lugar e irá matar todos nós.

―Como você ficou sabendo de tudo isso?

― Eu perguntei para um guarda.

― E ele respondeu , assim, simplesmente?

― Claro que não, ele quis coisas em troca.

― Que tipos de coisas?

― Hei, tem como os pombinhos pararem de discutir? O que realmente importa é que hoje me vingarei do meu irmão. Serei melhor do que ele, serei melhor do que qualquer um aqui. Matarei todos aqui, tomarei o poder e o meu querido irmão terá que se curvar aos meu pés. Agora é minha hora, o meu helicóptero já chegou. Boa morte para vocês, desfrutem do último minuto da vida de vocês, isso é tudo que lhes resta.
Ele subiu pela escadinha que lhe jogaram e o helicóptero sumiu de vista. O chão começara a tremer. Nina e Carlos se olharam. Nina puxou Carlos para ela e o beijou. O vulcão explodiu... Mas a larva não queimava, era morna e pastosa e com um gosto estranho. Aquilo era maionese! As pessoas saíram correndo feito doidas, todas brancas de maionese.

Na manhã seguinte a televisão noticiava que o ocorrido tinha sido uma campanha de marketing de uma marca de maionese, mas Carlos sabia que a história não era bem assim, ele tinha ouvido tudo que aquele louco tinha dito. Sua cabeça girava de tantas perguntas que ele tinha sem respostas. O telefone tocou. Era o Charlie:

― Carlos Pandolfo, você deve ter diversas perguntas sobre ontem a noite. Não poderei te dar as respostas de todas, mas te darei as que eu estou autorizado a te dizer. Aquele louco de ontem à noite é ninguém mais, ninguém menos que o meu irmão. Digamos que ele foi uma criança meio mimada. Ele tinha planos de matar todos naquele jantar para se tornar um grande ditador, o que não deu muito certo, graças a Marina Talisa que conseguiu por um composto químico dentro da caldeiraria do vulcão, que causou aquela meleca toda.

― Então ela sabia de tudo? ― Ele pensou que se Nina sabia que eles não iriam morrer ela o beijou porque...

― Podemos considerar que sim.

― Mas porque então eu fui nessa viajem maluca, colocando a minha vida em risco caso o plano não desse certo? Eu sou apenas um vulcanologista!

― Não estou autorizado a falar sobre isso, mas dizem que foi exigência da própria que você fosse na missão com ela.

Carlos desligou o telefone deu um suspiro e foi até a janela para tentar assimilar aquilo tudo. Lá estava ela do outro lado da rua. Ele saiu correndo para encontrá-la, chegando do outro lado da rua, só encontrou um pedaço de papel no chão. O cartão dizia: “Nos encontraremos mais vezes”.

Wigde Arcângelo

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A Orquestra Zumbi que Hipnotiza as Vítimas Humanas com suas Músicas

Eram aproximadamente duas da tarde quando Sandra recebeu uma ligação de Paulo:

 Oi Paulo, tudo bem?

 Tudo sim, Sandra. Só liguei pra confirmar se você vai hoje à noite com a gente pra apresentação da Orquestra Zumbido Harmônico.

 Ah sim, claro que eu vou, não perderia por nada. Todos falam desse show a meses, a estreia deles promete.

 Então tudo bem, te vejo no Teatro Municipal às oito horas!

 Ok então  e desliga o telefone.

Sandra e Paulo, juntamente com Fernanda e Bia, eram estudantes de música e, como bons amantes de música que são, não poderiam perder a maior estreia do ano, de uma nova Orquestra do Estado, que reuniu alguns dos melhores músicos contemporâneos.

Ao chegar no local, Sandra logo avistou Bia e Fernanda, guardando um lugar pra ela e acenando para que ela se apressasse.

 Onde está o Paulo ― disse Sandra. 

 Ligou dizendo que vai se atrasar por causa do trânsito ― respondeu Bia, prontamente. 

 Hum, entendo ― disse Sandra, com um olhar de desapontamento.  Mas então, como... 

 Shhi, vai começar! ― disse Fernanda, cortando o assunto entre as outras duas. 

Ao abrir das cortinas, podia-se observar que os instrumentos estavam já posicionados, com exceção dos instrumentos pequenos, como violinos, flautas, clarinetes, trompetes, etc.

Os tão aguardados músicos entraram no palco devagar e aos poucos; porém era possível notar algo de diferente em seu andar e em sua aparência (alguns até pareciam familiares para Sandra, mas ela não podia se lembrar de onde os havia visto, por causa da luz fraca do palco, que tornou difícil de ver): suas roupas eram finas, ternos de primeira; mas quando digo eram, quero dizer que deveriam ter sido assim um dia, pois a esta altura, tornaram-se velhas, rasgadas, aos trapos.

Seu caminhar também não era dos melhores, alguns davam a entender que se arrastavam, outros mancavam e Sandra podia jurar que os ouvia gemer melancolicamente.

A multidão, ainda meio perplexa, pôs-se a aplaudir os músicos, que agora encontravam-se todos sentados em seus devidos lugares. A luz da plateia apagou-se e aos poucos a luz do palco foi ficando mais forte. Em seguida o maestro se vira para a plateia e faz uma reverência; para o espanto de todos, sua aparência era cadavérica. O comentário foi geral, muitos estavam perplexos.

Então finalmente, as luzes abaixaram um pouco, se mantendo em um nível confortável o suficiente para a plateia e os músicos.

Ao sinal do maestro, os músicos começaram a tocar e deu-se início ao espetáculo da noite.

Após algum tempo, iniciada a apresentação, Sandra já havia reparado traços conhecidos nas composições da Orquestra. Traços esses muito similares aos dos músicos que ela havia estudado na faculdade.

Foi no início do intervalo, quando as luzes novamente se intensificaram no palco, que Sandra lembrou-se de onde havia visto todos aqueles rostos familiares. Eram os mesmos rostos das fotos de seus livros, aqueles mesmos livros que continham os traços dos já falecidos mestres da música.

Com uma mistura de sentimentos que ela nunca havia sentido, algo como medo, empolgação e perplexidade. Ela então se recompôs e passou os minutos seguintes tentando imaginar como isso era possível. Foi nesse momento que Paulo chegou e a tocou no ombro e disse:

 Sandra, porque todos estão tão vidrados na música? Nem ao menos piscam! 

 Co-como assim?...  ela olhou para os lados e o que viu a deixou preocupada. 

Antes que ela pudesse tirar qualquer conclusão, a música parou e os músicos se levantaram e sem mais nem menos, pularam na plateia e começaram a fazer o que parecia com um lobo que come um filhote de cervo, indefeso e imóvel.

Sandra deu um grito, e Paulo logo lhe tapou a boca, fazendo sinal para que ela ficasse quieta, mas já era tarde demais, os músicos haviam ouvido e estavam indo em direção a ambos e antes que pudessem fugir, olharam para as saídas no exato momento em que estavam sendo trancadas.

Paulo pôs-se à frente de Sandra, tentando avidamente protegê-la para levá-la em direção à porta, na esperança que ainda estivesse aberta. Mas tudo foi em vão, já que ao chegarem, notaram as portas trancadas à sua frente, e atrás deles uma horda do que para eles pareciam músicos canibais enlouquecidos. À medida que o fim se aproximava, Sandra se agarrou forte ao braço de Paulo e disse:

 Paulo, eu te amo, eu sempre te amei! Me desculpe por nunca ter tido a coragem de dizer isso; tudo podia ter sido dife... e como que por instinto, Paulo se vira e a beija de uma tal maneira, que tudo em volta pareceu desaparecer em êxtase e naquele momento nada mais importava, nem mesmo a morte iminente. 

Enquanto isso, no camarote cinco do teatro, dois homens observavam a cena do escuro. Ambos sorriam de maneira sinistra, com um momento de satisfação. Então um dos homens se levanta e faz uma ligação:

 Diga a eles que o teste foi um sucesso. Sem sobreviventes. Iniciem a Fase 2.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A Árvore Falante e o Pássaro Banguela

Era uma vez, numa bela floresta, um pássaro que, como qualquer outro pássaro não possuía dentes. A diferença é que ao invés de se contentar com seu belo bico e nobres penas, o pássaro invejava os mamíferos, principalmente os roedores que andavam por aí exibindo seus dentões. Queria poder mastigar frutas e roer as coisas, queria fazer suas casas de madeira como o Castor, ou mastigar as folhas como a Girafa.

Então, algo o tirou de seus devaneios no conforto de seu ninho. Era um chamado de socorro. O pássaro, desesperado e com vontade de ajudar, seguiu o pedido.

Ele vinha de uma pobre árvore. Mas árvores não falam! Como poderiam? O pássaro sem entender se aproximou da árvore e viu que havia um homem em sua base, um lenhador, dando golpes incessantes na árvore enquanto ela gemia, cada vez mais alto.

“O que ele está fazendo?” Pensava o pobre pássaro. “Não vê que está machucando ela?” “Será que não está ouvindo seus gritos de dor?”

E fora de si deu um vôo rasante sobre o homem, empoleirando-se sobre seu rosto, quis mordê-lo, mas teve que se contentar em desferir bicadas e arranhões. Visivelmente aturdido o homem ainda tentou espantar o pássaro com seu machado, mas sem sucesso, desistiu, e foi embora cuidar de seus ferimentos.

O pássaro, curioso que era, aproximou-se da árvore com o tronco ferido e empoleirou-se em um de seus galhos.

― Muito obrigado, Canário Vermelho, você tem um bom coração.

― Como você sabe o meu nome? E como você fala? Você é só uma árvore! ― Disse o pássaro. A árvore não se ofendeu e retrucou calmamente:

― Sou uma árvore muito velha, tenho mais de mil anos e sou um pouco excêntrica ― confessou ― Na verdade, não só sei falar, adivinhar o seu nome e sentir dor como também poderia te conceder a realização de um desejo, por ter salvado as minhas já tão envelhecidas fibras.

― Ah é? ― Disse o pássaro arregalando os olhos ― Que tipo de desejo você pode me conceder?

― Qualquer tipo ― disse a velha árvore com sua voz envernizada ― Mas só posso lhe conceder um, então escolha com cuidado.

O pássaro não hesitou, ele sabia o que queria, sempre soube, desde que nascera. Disse com esperança saltando de cada palavra:

― Eu, eu quero ter dentes!

― Dentes? ― Estranhou a árvore ― Tem certeza que é isso que você quer?

― Tenho, tenho sim! ― Disse o pássaro eufórico, já pulando sobre suas patinhas. ― Quero ter longos dentes de roedor, tão grandes quanto os dos castores! ― Disse com um brilho cativante no olhar.

― Tudo bem ― disse a árvore ― se é o que deseja! ― e no mesmo momento brotaram enormes dentões no bico do pássaro. Ele foi correndo, eh... quer dizer voando ver seu reflexo no riacho. Se esqueceu até de agradecer à velha árvore!

Enquanto tentava voar, seus enormes dentes pesaram para a frente, fazendo com que ele perdesse o equilíbrio e caísse no chão, se machucando. Ele levaria um tempo para se acostumar a voar com aqueles dentes tão grandes e pesados, mas iria valer à pena! A sim, com certeza iriam. Resolveu continuar o caminho até o riacho andando. Caminhar para pássaros é perigoso, eles não costumam ser muito rápidos nisso e são presas fáceis no chão.

Por isso o caminho até o espelho d’água foi tão assustador. Ainda mais mancando por não suportar o peso daqueles dentões em tão franzino corpo. Ao finalmente atingir o riacho, ofegante pela caminhada, o pássaro pode finalmente admirar seu reflexo na água. Como estava elegante, pensou.

Lembrou-se então de voltar e agradecer ao velho carvalho, mas ao avistar o caminho sombrio pelo qual havia passado desistiu da ideia. Ora, parece que não conseguirei mais me alojar num ninho nas alturas, vou então construir abrigo como fazem os dentuços, cavar um buraco no chão ou fazer uma casa com lascas de madeira!

Tentou cavar o chão, mas as suas patas mal serviam para ciscar, então procurou um pedaço de pau que pudesse cortar para inaugurar seus dentes novíssimos. Foi difícil encontrar o ângulo de encaixe. E bastante dolorido quando uma farpa se enfiou por suas penas, espetando suas asas.

Finalmente conseguiu cravar os dentes naquela lasca de madeira e então...

Não pode tirá-los! O pobre pássaro ficou ali por horas preso. Até que uma grande ave negra o avistasse. Um condor! Estava circundando-o, apenas esperando por sua morte para devorar sua carne! Mas um Falcão surgiu e espantou o Condor. Era Peregrino, amigo de infância de Canário.

― Canário, meu velho amigo, em que cilada você se meteu! Deixe eu tirá-lo daí! ― E dizendo isso envolveu-o com sua pata e dando um tranco para trás com a ajuda de suas potentes asas removeu o amigo da madeira.

― Ei, você está bem? ― disse, se aproximando enquanto dava um tapinha nas costas de Canário. Recuperando-se do susto, Canário se virou, pronto para sorrir para o velho amigo, mas Peregrino tinha uma expressão de pavor no rosto.

Envolveu Canário com sua pata, dessa vez furiosamente, e disse:

― Quem é você, o que você fez com o meu amigo?

Canário tentou dizer alguma coisa, mas o ar batia em seus dentes e só saíam grunhidos abafados. Sem saber o que fazer, mordeu os pés de Peregrino que, num reflexo o soltou. Antes que Peregrino pudesse avançar novamente, Canário já havia se escondido dentro de um tronco poder, longe da visão de águia do amigo.

“Meus amigos não sabem mais quem sou, acham que eu sou um monstro! Perdi a habilidade de voar e já quase morri duas vezes! De que vale à pena esse sorriso?”

E pôs-se a chorar baixinho. Seu estômago respondeu em um ronco, e sua garganta estava seca. O riacho não estava muito longe e Peregrino já havia ido embora. Canário teve dificuldades de beber água e mais ainda de comer, não sabia como escovar seus novos artefatos e acabou tendo uma dor de dente resultante de uma cárie.

“Ainda por cima doem! O que eu estou fazendo? A quem estou enganando? Eu não nasci para sorrir!” Disse com suas penas. Então, tão magicamente quanto surgiram, os dentes caíram por terra e quanto atingiram a areia, desapareceram, como num passe de mágica.

Ao lado de Canário surgiu uma pequena fada de longo vestido verde e asas de mariposa.

― Canário, o que você aprendeu hoje?

― Mãe Natureza! Que bom que você apareceu! Bom, acho que eu aprendi a não invejar os outros e a ser feliz comigo do jeito que eu sou!

― Mais alguma coisa?

― Sim, escovar os dentes se os tiver!

E os dois riram.

― Muito bem, Canário. Era eu o tempo inteiro, eu era o velho Carvalho e eu só queria te ensinar a ser feliz com o que você tem, agora vá e seja um belo pássaro! Voe, cante e seja feliz! Meu querido Pássaro Banguela!

E dizendo isso desapareceu. Canário ainda sussurrou um agradecimento e pôs-se a voar pelos céus, como nunca antes havia voado!

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ratos Alienígenas Atacando a Terra

Era uma quinta-feira como outra qualquer. Raquel havia se levantado, organizado suas coisas e saiu para o trabalho sob o céu cinzento de Londres. O clima estava agradável, afinal, ela já tinha visto climas piores na cidade.

Morava no bairro de Kensington, um bairro próximo ao centro comercial da cidade e do seu trabalho.
Sendo funcionária de uma grande multinacional chamada Northon Eletronics, ela foi mandada a Londres para estreitar relações comerciais entre sua empresa e uma grande companhia produtora de materiais elétricos.

Enquanto caminhava em direção a estação de metrô, que ficava a cerca de três quarteirões do edifício de onde morava, observava toda a estrutura arquitetônica da cidade, que era conhecida por preservar suas características da época medieval. Era uma cidade tão bela que, quanto mais tempo ficava lá, mais se apaixonava pela cidade.

Raquel ia atravessando uma rua, quando de repente, um rato passa correndo na sua frente. Tamanho foi o pavor que sentiu no momento que ela soltou um grito estridente e caiu no chão. O fato assustou as pessoas que passavam pelo local no momento e essas pessoas ficaram ainda mais preocupadas quando viram que, na rua em que havia acontecido o incidente, vinha um carro em alta velocidade.

 Cuidado! ― gritou algum homem na rua.

Ela só teve tempo para olhar para o lado. Quando ela viu, o tumulto já tinha tomado conta do bairro.
O motorista do carro, uma Mercedez branca, quando viu a moça caída, tentara frear o carro, mas tamanha era a velocidade que parar o carro naquelas circunstâncias seria um ato quase impossível de ser feito.

Ele tentou, por fim, desviar o carro. Bateu em dois carros que estavam estacionados na rua. Pessoas olhavam assustadas, enquanto outras tentavam ligar para a polícia ou para os bombeiros. Ninguém sabia direito o que estava acontecendo, mas alguma coisa os mandava tomar alguma atitude. Talvez fosse a obrigação social para com o próximo.

Raquel estava caída, observando a tudo, sem dizer uma palavra. Sentia-se pressionada, uma vez que havia se formado um círculo de pessoas ao seu redor. Tentava se levantar, apesar da dor que sentia nas costas causada pela queda brusca. Ela já estava sobre seus joelhos, quando ouviu uma porta bater com força e um homem com muita raiva se aproximando.

 Você tá louca? Você viu o que você fez com o meu carro?  Ele estava muito nervoso e, se não fosse por algumas pessoas o segurarem, provavelmente ele teria feito alguma coisa da qual se arrependeria pelo resto de sua vida.


 Eu não tenho culpa se você estava em alta velocidade em uma rua residencial, seu maluco!

De repente, ouvem-se sirenes se aproximando. Era a polícia.


 O que está acontecendo aqui? O que é toda essa bagunça?  O oficial da polícia era um homem baixo e estava acompanhado de um garoto que parecia novo no ramo.

O policial olhou para toda a cena. Tentou dispersar algumas pessoas do local, o que foi em vão já que as pessoas estavam curiosas para saber o que iria acontecer com o homem e com aquela moça que agora estava em pé, tentando limpar suas roupas que ficaram muito sujas após a queda na rua.


 Segurem aquele rapaz  algum homem gritou na rua. Era tarde demais. O homem da Mercedez branca já havia desaparecido.

Passada toda a confusão, Raquel seguia para a estação do metrô. Ela tentava compreender como teria aparecido um rato no meio da manhã na rua. A cidade de Londres era conhecida por ser muito limpa, então  não tinha como haver ratos naquele lugar.

O resto do dia seguiu normalmente, sem nenhum evento que pudesse ser considerado anormal.
Enquanto seguia pelos quarteirões que separavam a estação da sua casa, prestava atenção em qualquer movimentação que pudesse existir em seus pés. Talvez a idéia de que haveria ratos naquela região tenha ficado fixa em sua cabeça.

Porém, enquanto observava o chão, esquecera de olhar para o céu. Rajadas verdes atravessavam o céu escuro, mas ninguém prestava atenção. Afinal, aquilo podia ser sintoma de cansaço.
Quando Raquel percebeu, o pânico já havia tomado conta da sua rua. Ratos espalhavam-se por todos os cantos. Gritos histéricos invadiam a rua. Pessoas corriam para todos os lados.
Com o choque, ela ficou parada no lugar onde estava. Era a esquina da rua onde havia acontecido toda a confusão na manhã do mesmo dia. Já não havia tantos carros estacionados ali e nem a mesma concentração de pessoas.

Rajadas verdes continuavam a cortar o céu quando de repente, uma nave aparece sobre a cabeça de Raquel. Ela tenta correr, mas os ratos que estavam na sua frente a impediram. Sem poder fazer nada, ela apenas observava os movimentos dos ratos. Eles pareciam ratos normais, com exceção dos olhos. Só quando pôde observar melhor é que ela notou seus olhos. Eram de um verde escuro e tinham um poder hipnótico que nem mesmo Raquel, que tinha pavor de ratos, conseguiu ter uma reação.
Foi quando uma projeção surgiu na sua frente. Era uma projeção de um rato branco, que estava em pé sobre suas patas traseiras.


 Humana, você foi a nossa escolhida para ser nossa vigia desse planeta que só serve para atrapalhar nossos planos.

 Como assim?  na verdade, a pergunta tinha dois sentidos. Ela não sabia como ela estava conversando com um rato e o que ele estava querendo dizer sobre o planeta.

 Esse planeta não serve para nada na nossa dominação do universo. É mais um elemento cheio de parasitas que só nos atrapalham. E eu, Rathop Tueronóvisk, líder desta dominação, declaro este planeta como nosso!

Vários ratos pulavam. Ouvia-se um grunhido estranho, como se estes ratos estivessem gritando de alegria. Raquel não sabia o que fazer. Sabia que não havia como fugir daquele lugar, sabia que talvez aquilo fosse uma loucura.

 Quem é você para me dizer o que fazer seu rato imundo?

Os grunhidos pararam. Os ratos a encaravam com um olhar mortal, prontos para atacar a qualquer movimento brusco que fizesse. Rathop Tueronóvisk parecia muito irritado.

Se não fosse por uma Mercedez branca que parou ao lado do lugar que Raquel estava, provavelmente ela já estaria morta. O carro dispersou vários ratos que se encontravam no local. As pessoas do local tentavam se esconder em lojas, mas os ratos vinham de um planeta chamado Koralmah, localizada em uma galáxia muito distante do planeta terra e eram muito desenvolvidos intelectualmente. Eles entravam por pequenos buracos no teto ou nas paredes devido ao seu corpo maleável. As pessoas já não sabiam se corriam ou se ficavam paradas, torcendo para que os ratos não percebessem sua presença.

O que ninguém sabia era que, com uma mordida daquele rato alienígena, seu corpo começava a se deteriorar e em questão de horas, a pessoa estaria com seu corpo atrofiado e fraco e provavelmente morreria de frio.

De dentro da Mercedez saiu o mesmo homem que quase havia atropelado Raquel naquela manhã. É claro que ela não podia negar qualquer tipo de ajuda, mas tinha que haver algum tipo de explicação para tudo aquilo.

 Acredito que você já causou muita bagunça por aqui, Rathop.

 Thieteph, o grande imperador do universo? Como isso é possível?

 Como imperador do universo, você não acha que eu teria alguns contatos? Eu sempre estive um passo a sua frente.

Raquel olhava para aquilo sem entender nada. Ratos alienígenas estavam querendo dominar a terra e agora o imperador do universo estava salvando-a?

 Eu vim para a Terra para ter informações mais detalhadas sobre o seu plano. Agi como humano durante alguns meses terráqueos e tive experiências o suficiente para saber seus pontos fracos. E como eu sabia que você queria a dominação universal, fui atrás de pistas sobre o seu próximo passo e aqui estamos.

Rathod parecia muito nervoso. O aparecimento de Thieteph era o que ele menos esperava. Aquilo definitivamente não estava em seus planos. Vendo que seu plano não daria certo, fez algum tipo de grunhido que fez com que todos os ratos retornassem para a sua nave e parassem de atacar os humanos.

 Isso terá volta, Thieteph.

 Mal posso esperar.

Então a projeção de Rathop sumiu e a nave em que estavam todos os ratos alienígenas sumiu em meio a imensidão do céu escuro.

Raquel continuava sem saber o que exatamente tinha acontecido e somente depois que Thieteph a chamou algumas vezes é que ela foi perceber que todos os ratos já haviam ido embora. Olhou para os lados e viu o desespero das pessoas. Muitas estavam machucadas, outras chorando desesperadas, outras procurando seus familiares que tinham sumido no meio da confusão.

 Não se preocupe humana, amanhã quando acordar, terá a sensação de que isso foi só um sonho. As pessoas que perderam seus familiares pensarão que eles estão há tempos mortos. As pessoas que acordarem fracas, irão perceber que já estão há tempos doentes. Só me prometa que não esquecerá que o perigo de outra invasão sempre existirá.

Raquel assentiu com a cabeça e atordoada, só conseguiu seguir automaticamente para a sua casa. Lá chegando, só conseguiu deitar e ter um dos piores pesadelos que já tivera em toda a sua vida.

No dia seguinte, quando estava preparando seu café da manhã, teve a sensação de estar sendo observada. Quando olhou para trás, viu um rato correndo em direção a um buraco. Poderia ser loucura ou não, mas ela tinha certeza de que seus olhos eram verdes.

Luara Cardoso

Desafio dos 7 Dias

Imagem Non Sense que ilustra bem o post 


Olá à todos os leitores,

Trago hoje o resultado de um pequeno jogo, uma competição. Os nossos autores tiveram uma semana para escrever um conto sério, com lógica, argumento e qualidade gramatical sobre um tema completamente Non Sense.

Os temas sorteados foram:

  • A Árvore Falante e o Pássaro Banguela;
  • Unicórnios Rosas, Alados e Comedores de Carne Humana;
  • A Lenda da Volta dos que Não Foram;
  • Vulcões de Maionese em Erupção;
  • Ratos Alienígenas Atacando a Terra;
  • Orquestra Zumbi que Hipnotiza as Presas Humanas com Suas Músicas
  • Coelhos Zumbis;
  • Minhoca Engravatada Fura Fila no Bandejão e
  • Bodes Sapateadores
Temas que não saíram nesse sorteio mas que participarão do do ano que vem:

  • A Saga do Par de Chinelos do Saci;
  • A Tatuagem na Rolha de Bolinhas Amarelas e
  • A História da Criação do Miojo no Pão
À cada dia um conto será publicado aqui e o vencedor receberá o prêmio Escritor Mais Sem Noção 2011 (sei que 2011 já passou, mas o prêmio é comemoração de fim de ano atrasada e elege o mais sem noção do ano que se foi). E quem votará no melhor serão vocês! Os votos serão apurados no grupo da Academia no Face, na página da Academia e numa enquete aqui no blog.

Curioso? Eu também, a partir de amanhã começarei a postar os contos. Caso algum autor fique de fora ou não envie o tema será reservado para o sorteio do final do ano.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Download do Capítulo 1 de A Saga do Menino Dragão - Livro 1 - Olhos de Dragão

- Sinopses:

Contra-Capa:

"Ele era um garoto normal até ter toda a sua família assassinada por um homem com poderes extraordinários. E então, movido pela sede de vingança e pela ódio irracional descobre seu poder e desperta seu monstro interior. Muitos irão tentar matá-lo, outros morrerão para que ele viva. Embarque nesse história e descubra uma vida de medo, coragem, esperança, mentiras e maldições. Uma vida onde é normal perder quem você ama e se torna cada vez mais difícil seguir em frente."

Orelha:

‎"Um poder incalculável,

Uma herança lastimável,

Uma terrível maldição.

Duas almas que não podem mais habitar o mesmo corpo.

Aterrorizado, Marcus observa o assassinato cruel de seus próprios pais. Neste momento, tomado por uma intensa ira, descobre seu poder. Logo descobrirá que foi acolhido por entes de uma organização secreta mundial cujo único propósito é mantê-lo vivo, e que seus verdadeiros pais, anos antes também haviam dado suas vidas por esse propósito. E descobrirá o monstro dentro de si: um perigoso dragão, que pode vir a ser a salvação da humanidade. Com o tempo, Marcus terá de aprender a lidar com essa criatura enquanto procura por vingança e por repostas."

- Prólogo:

"A todos que me ajudaram este livro deixo,
Este é o fardo que sempre carreguei em meu peito
É a realidade com que tive de conviver.
A realidade de um monstro ser,
Contra seu próprio interior ter
Que lutar, no fundo contra você.

Se estou aqui,
É porque uma história tenha para ti,
Uma história de medo e terror,
De esperança, força e amor,
De frustrações,
E, sobretudo, de maldições

A morte meu nome sempre clamou
E eu muito queria atende-la,
Nenhum amigo me sobrou,
A minha família se dizimou
E só o que me sustenta agora
É a sede da vingança que não demora
E o ódio que habita em meu coração
Como um animal feroz: um dragão!
Nefasto e sombrio a querer se libertar
E o meu corpo tomar..."


- BookTrailer:


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

BookTrailer de A Saga do Menino Dragão de Gabriel Valeriolete

Um poder incalculável,

Uma herança lastimável,

Uma terrível maldição.

Duas almas que não podem mais habitar o mesmo corpo.

Aterrorizado, Marcus observa o assassinato cruel de seus próprios pais. Neste momento, tomado por uma intensa ira, descobre seu poder. Logo descobrirá que foi acolhido por entes de uma organização secreta mundial cujo único propósito é mantê-lo vivo, e que seus verdadeiros pais, anos antes também haviam dado suas vidas por esse propósito. E descobrirá o monstro dentro de si: um perigoso dragão, que pode vir a ser a salvação da humanidade. Com o tempo, Marcus terá de aprender a lidar com essa criatura enquanto procura por vingança e por repostas.



Gabriel Valeriolete

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Solidão Eterna de Gabriel Valeriolete


(texto inscrito na antologia Crônicas da Fantasia da editora Literata)

       Eu tentava, juro que tentava. Mas como é difícil resistir a uma mordida. Nós somos criaturas da noite, amaldiçoados a nunca mais ver a luz do Sol e sedentos por sangue.

       Nossa espécie nem deveria existir, quanto mais resistir. Mas tenho que admitir, que para uma criatura que acabou de alcançar a imortalidade, ainda temo a morte. Dizem que o tempo cura tudo, com o tempo a sua sede diminui e a sua piedade para com os humanos também. Dizem que você se acostuma a viver à noite e que chega a se esquecer do que é o Sol.

        Eu estou recém-transformado, mas já começo a me esquecer de certas coisas. Acho que grande parte da memória é apagada quando se morre. Eu me lembro da outra vida, mas tudo não passa de flashes e borrões sem sentido.

        Sem sentido, mas com sentimentos. Mas com alegria. Ah, me lembro da minha infância, dos meus pais, da minha esposa, dos meus filhos.

        O pior não é a escuridão, ou a sede de sangue, ou os instintos animais que te transformam aos poucos em algo cada vez menos humano, cada vez mais monstro. O pior é essa solidão! Por isso que muitos vampiros saem à caça de fêmeas para povoar seus haréns. Um imortal solitário é uma solidão eterna. Mas eu não procuro por haréns. Apenas queria minha família de volta. Não acho que sexo e sangue possam curar essa solidão que nós sentimos. Eu preciso de uma parceira para minha eternidade inteira. Eu preciso da Margaretti de volta.

       Observava a janela pensando se deveria transformá-los ou não. Margaretti colocava as crianças para dormir, enquanto tentava esconder a preocupação por eu ainda não ter voltado para casa. De fato só tentava. A preocupação ainda era bem visível e volta e meia ela tentava ligar para meu celular, que a esta hora da madrugada deveria estar perdido em uma rua obscura, sem carga, se não tivesse sido roubado ou atropelado por um carro, o que era muito mais provável.

        Era egoísmo, sim! Não poderia submeter-lhes a esse sofrimento! Uma família de filhos das trevas, sugadores de sangue! É absurdo, eles viveriam melhor sem mim. Mas eu não poderia viver sem eles. Eu não poderia passar a eternidade sozinho. Eu sentia que minha vida não fazia mais sentido, que eu deveria me matar.

        Mas vampiros temem a morte, um temor irracional, instintivo. Um temor maior ainda que o humano. Um temor que não deveria habitar uma criatura imortal.

        Ela terminou de pôr as crianças na cama e desceu as escadas, indo para a sala. Vestia uma camisola dourada, leve. Podia ver seu pescoço e ombros desnudos, com o cabelo preso pela piranha. O cheiro de seu já tão conhecido perfume de avelã se misturava ao cheiro do sangue que pulsava em suas veias e ao odor de sua leve transpiração. Pôs-se a olhar-se espelho, examinando-se lentamente, como sempre fazia quando tinha algum problema sério. Eu sabia que na verdade sua mente não estava lá, sua mente vagava pelo mundo à procura de explicações sobre o meu desaparecimento repentino.

       Ai, o olfato! O mais maligno dos sentidos, ele hipnotiza a todos de minha nova raça, tornando-nos seus servos leais.

       Tentei me manter afastado, mas meus instintos me fizeram entrar no quarto para observá-la mais de perto. Sorrateiramente, sem fazer um único som.

        Não sabia o que fazer, seu cheiro de sangue era tentador, irresistível, me chamando a chegar mais perto. Passar a eternidade juntos. Seria romântico, não fosse aterrorizador.

        Então ela virou-se inesperadamente e se deparou comigo, levando um susto enorme. Eu deveria estar muito mais pálido, com a aparência de um cadáver. O que no final das contas eu era. Um cadáver ambulante.

         — Matheus? É você mesmo? — Ela perguntou aflita, após se recompor do susto. Olhei-me no espelho da sala, na esperança de verificar o quanto minha aparência havia mudado. Mas o espelho nada me mostrou.

         — Eu me faço a mesma pergunta. — Limitei-me a dizer.

         — Matheus? O que aconteceu com você, você está bem? — Disse ela, enquanto se precipitava na minha direção. Um único passo à frente e seu cheiro inundou minhas narinas, quase me fazendo pular involuntariamente sobre ela.

         — Não! Fique onde está! Não se aproxime! Nem um centímetro! — Eu disse, virando-me de costas, inclinando-me e tapando nariz, boca e olhos na tentativa de me livrar da tentação dos meus sentidos.

         — Matheus, o que está acontecendo? — Ela ameaçou dar outro passo.

         — Eu disse para você não se aproximar! — Gritei, fazendo ela se afastar um pouco com o susto. Fitou-me com um olhar de espanto e apreensão.

        — Matheus, você está me assustando. — Ela sussurrou.

        — Escute, Margharetti, tem algo acontecendo comigo. Uma coisa estranha...

        — Você pode me contar amor, — Ela pronunciou calmamente, e quando a palavra “amor” saiu de seus lábios eu relaxei e olhei para ela. Como eu sentirei saudade dessa palavra — pode me contar tudo, o que está acontecendo? — Ela percebeu que eu havia relaxado e, receosa, tentou se aproximar novamente.

         — Afaste-se! Droga, eu pedi para se afastar! Mulher, será que você não pode me ouvir pelo menos uma vez! Para o seu bem! — Berrei irracionalmente, como uma verdadeira criatura das trevas tomada por seus instintos mais grotescos e primitivos. Ela se assustou e se limitou a abaixar a cabeça e chorar. Aquilo me atingiu profundamente, aproximei-me vagarosamente, para consolá-la, meu lado humano falando mais alto que o lado predador.

         — Desculpe, eu não quis te fazer chorar. Querida. Temo que esta seja a última vez que nos veremos. — Eu tentava explicá-la, confortá-la, agora a apenas um passo de distância. Um perigoso passo de distância.

         — Por quê? O que eu fiz, amor? O que aconteceu tão de repente, me diz?
— Confie em mim. — Eu supliquei. Ela me abraçou. Seu pescoço roçando em meus lábios.

         — Desculpa, eu não posso. — Ela sussurrou, ainda em pranto.

         — Querida. — Tentei dizer algo. Ela me apertou ainda mais forte. Eu me pus a beijar seu pescoço, vagarosamente, instintivamente. Então a mordi, quando dei por mim já estava com os dentes cravados lá e o sangue escorria pelo seu corpo. O que eu fiz?

        Já estava feito. Não havia como voltar atrás. Mas ela não merecia tanto sofrimento, seria egoísmo parar agora e deixar que ela se transformasse num monstro como eu. Apenas chupei o sangue, profundamente, até a última gota, até que ela caísse morta aos meus pés. Antes morta do que transformada nessa aberração que eu sou.

Nesse momento meus filhos Carlos de 5 anos e Sílvia de 3 desciam a escada, juntos como sempre.

— Papai? — Perguntou Carlos que provavelmente havia reconhecido minha voz. Sílvia usava um pijama amarelo de ursinho e puxava sua boneca de pano Emília pela mão, arrastando-a nos degraus.

Quando voltei-me para eles o sangue pingava da minha boca, enquanto Margharetti jazia morta no chão, com uma poça de sangue à sua volta, empapando a sua suave camisola.

        Sílvia soltou um grito estridente. Carlos ficou paralisado de espanto.

E eu me desesperei, não sabia o que fazer e fugi, covardemente. Abandonando duas crianças traumatizadas à própria sorte e matando sua mãe. Minha esposa, meus filhos. Minha família. Agora eu era uma criatura da noite, e família eram só lembranças de um passado doloroso. Passei a imortalidade só e nem ela foi capaz de amenizar o vazio e a dor que eu sentia em meu peito.

Gabriel Valeriolete

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Vida e Morte de Willian Eloy


Somente em casa deixou uma carta, para que pudessem encontrar a razão de tal ousadia.

Soturno e triste era o vagar pela noite nebulosa. Postes antigos e recurvados derramavam o amarelo vivo sobre seu caminho, fazia frio, principalmente dentro.

Ainda andava sem rumo, queria apenas esquecer, até as malditas cadeiras de ferro, moldadas com traços retorcidos a formar círculos, lembravam o símbolo do seu antigo amor, o coração.

Apertou um pouco mais contra a cabeça sua touca preta, e se fechou mais no interior de seu casaco de couro. Era o fim, tudo à sua volta estava mais negro, adentrava cada vez mais o profundo breu da madrugada.

Seu caminhar era incessante, tão incessante quanto as lágrimas que congelavam a meio caminho de sua boca, boca essa que nunca mais encontraria aqueles lábios.

As grandes construções ao seu redor ocultavam de sua vista o céu ao passo em que pareciam querer devorá-lo, mas já não tinha medo, a vida havia perdido em um curto passado. Seu objetivo era longínquo, mas não voltaria atrás.

O tempo passava e quando chegou à bela ponte, se apressou a olhar o rio congelado que morava a alguns metros abaixo. Sua superfície era dura, mas por baixo jazia sua real força, oculta pela beleza e inocência do branco. Ali repousava a quem iria entregar a vida que já anteriormente perdera.

Estava cansado de ter que lutar contra seu coração, que apertava dentro de seu peito e parecia querer entrar em si mesmo. As lágrimas salgadas e ininterruptas que gelavam sua face teriam um fim ao casar com as águas doces que corriam até o infinito.

Nenhum carro passava no momento, a alvorada nascia com seu lento esplendor, em poucos minutos o sol se faria presente para assistir ao fim.

Retirou seus óculos escuros e o deixou cair como um aviso do que viria depois, assistiu sua queda admitindo um enorme valor á visão. Uma fonte amarela despontava a muitos quilômetros na frente, mostrando o céu límpido e azul que parecia brilhar de contentamento.

O primeiro pé foi o mais difícil, lembrou-se da carta qual deitara em sua cama antes de partir. O segundo pé foi até fácil, deu as costas para o sol, como se desejasse falar que ninguém o poderia impedir, abriu os braços e olhou uma vez para sua mão enluvada e depois para a outra que da mesma forma estava.

Um farol de carro despontou no outro lado da ponte e o ronco do motor foi como um tiro que começa uma partida, mas aquele tiro seria para o fim dela.

Com um pulo para trás se arremessou ao léu, a distância até o impacto não mataria, mas a correnteza por baixo e as placas de gelo resolveriam tal problema.

Vento, fazendo seus cabelos eriçarem-se, queriam voltar para o alto da ponte, mas não estavam no controle.

O impacto foi forte, a dor de suas pernas quebrando atingiu o corpo inteiro, sim, aquele era o término de uma existência. As águas o arrastavam para seu covil enquanto seu pulmão implorava por ar, a dor era inconcebível. O que o levara a comerter tal loucura?

O arrependimento foi rápido, tão rápido quanto a queda.

Sim, estava morrendo, mas queria viver. O arrependimento chegou tarde demais, agora ninguém o poderia ajudar. Viu cenas antigas e recentes, todas voaram por sua mente em um turbilhão, como se fossem sonhos impalpáveis, em menos de um segundo.

Sua boca se abriu quando seu nariz foi violentado pelas águas, o ardor de estar queimando por dentro... O branco se torna negro, a luta cessa e a dor desaparece. A escuridão total fez morada em seu corpo que de sua alma se esvaziava, podia sentir.

Fim...

Sentiu como se não tivesse corpo, estava flutuando. A dor fora embora junto com as preocupações terrenas, mas estava triste, queria ter vivido mais. Deixara amigos e família em seus colchões, à surdina da madrugada, para adentrar seu maldito egoísmo e dar cabo de algo que não lhe pertencia.

Uma luz começou a brilhar distante e sentiu seu corpo sendo puxada lentamente naquela direção. Seria tragado pela luminosidade branca que agora se misturava com tons azuis, verdes e amarelos. Vozes que não conseguia identificar se fizeram notar como sussurros distantes, tudo o convergia para o final.

Aquele magnetismo se intensificou quando o canto se tornou mais audível, sentia ir mais rápido e mais rápido rumo ao tão desejado e repudiado final. Sem demora o inevitável baque contra a luz aconteceu.

Para finalmente encontrar a verdade.

Vomitou enquanto reparava que seus olhos já estavam abertos a muito. Somente a mente vagava por outra dimensão, mas não tardou, retornou e pode ver seu velho casaco molhado, reparou em um de seus sapatos faltando e um rio corria aos seus pés e as vozes que escutava eram na verdade um choro que acontecia ao seu lado, onde uma figura ajoelhada repousava as mãos no chão, para onde pareciam convergir suas lágrimas.

Seu corpo se contraiu para se livrar de mais água indesejada, aproveitou o embalo involuntário e se virou. Para sua grande surpresa, o motivo de tudo ali estava, com aquele suéter azul que lhe cabia tão bem e olhos castanhos tão quentes.

Não suportou olhar por mais tempo, seu corpo estava fraco, se deixou estirar sobre o manto verde que os acomodava, o sol acima se mostrava sorridente, como uma criança que ganhou um novo brinquedo. Queria falar, mas a garganta ainda ardia. Mesmo assim tentou:

― M...mas como?

Cerrava os olhos por conta do sol, mas já sentia melhor.

― Cometi um erro e vim para pedir perdão. É com você que quero passar o resto dos meus dias.

Inclinou-se um pouco e olhou com aqueles olhos que pediam perdão por uma grande idiotice. Sentia-se uma nova pessoa, alguém que havia provado do pior arrependimento, passaria a valorizar cada momento de sua vida como se ela fosse se esvair em pouco tempo. Olhar para aquele corpo molhado lhe criou um novo tipo de sentimento.

― Obrigado pelo que fez por mim, mas saiba que para mim é o fim. Finalmente pude descobrir o quão infantil nós temos sido, somos crianças que acham conhecer o mundo. Admito que esteja repleto de gratidão por me tirar da loucura, mas de você não desejo mais nada.

Foi difícil falar, fez inúmeras pausas, mas as palavras saíram. Seu ritmo só fez piorar o significado do que dissera.

Aquele corpo forte, que lhe tirara da água, ficou sem reação. O olhar se distanciou a procurar algo que ninguém mais sabia. Fechou os punhos em um punhado de grama e começou a se levantar.

Ao ficar de pé se estabeleceu entre o corpo no chão e o sol, se tornando assim uma forma negra que tanto poderia ser homem ou mulher. Levou aquela sombra de braço nas costas e a retornou com algo.

Esse algo foi erguido, somente para descer furiosamente sobre o indefeso e fraco corpo que se recuperava deitado. Com as pernas quebradas sabia não poder correr.

Somente na terceira vez que o objeto descia, reparou que uma faca, manejada com fúria, atravessava sua costela. E mais uma, duas, três vezes.

Real fim...

E acordou suado ainda em sua cama, nunca havia deixado sua casa. Retirou uma mecha de cabelo de sua face e pôs as mãos onde deveriam haver fendas feitas a facadas, mas nada além seu copo saudável repousava sobre suas roupas.

Desviou o olhar para o móvel de cabeceira e reparou em um pedaço de papel com palavras imundas, trasbordantes de rancor e mágoa. Sentiu nojo de si mesmo, nojo da outra pessoa e respirou fundo o odor da vida.

Levantou-se, pegou o bilhete e o rasgou em tantos pedaços quanto pode. Lágrimas totalmente involuntárias brotaram-lhe e tornaram a percorrer o mesmo caminho que fizeram em sonho.

Não faria mais nada daquilo que planejava, não valia à pena. A vida era enorme e merecia ser vivida plenamente. Seus dias já estavam contados, mais uma semana, talvez mais oitenta anos... Não importava, queria aproveitar tudo quanto pudesse tocar, provar e sonhar.

                Verdadeiramente um início...


Willian Eloy

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

[Fracassado] Processo de Criação de Wigde Arcangelo

        Tenho uma frase genial na minha cabeça. Pego o caderno e depois o lápis. Repito a frase em voz alta. Ela não sai com toda a magia de antes, mas o que importa? Ela é genial!

        Paro na primeira linha do texto. Sinto uma sensação de vazio, não há mais nada que complete a genial frase. Toda a minha esperança de transformar a frase genial em um texto eterno, começa a se esvair.

         Risco a frase, arranco a folha do caderno e a amasso. Me encolho no sofá, pensando nela. Uma pontada de arrependimento por ter jogado fora o meu quase futuro trabalho de sucesso bateu em mim. Mas quem é conhecido por apenas uma frase?

       Tento repetir a frase várias e várias vezes. O resultado do esforço é inútil. Pensando bem, como uma frase pode ser eterna, se nem ao menos consigo lembrá-la depois de cinco minutos?

Wigde Arcangelo

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